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Fonte: Arquivo Nacional, 24 de abril de1930 

Memória

A memória das telecomunicações no Brasil tem em Cândido Mariano da Silva Rondon uma figura de destaque. De origem indígena (sua mãe era descendente de índios terenas e bororos), Rondon nasceu em 1865 em Mimoso, um distrito da cidade de Santo Antônio de Leverger, no estado de Mato Grosso. Ficou órfão com dois anos de idade e foi criado pelo avô. Com a morte dele, Rondon se mudou ainda adolescente para o Rio de Janeiro, onde ingressou na Escola Militar e cursou Matemática e Ciências Físicas e Naturais na Escola Superior de Guerra.

 

Entre os empreendimentos liderados pelo Marechal Rondon está a ligação da região Oeste do Brasil com o resto do país à frente das comissões de construção de linhas telegráficas com fio. A missão de construir uma rede de telégrafo com fio conectando as regiões oeste e norte ao resto do país também tinha entre os objetivos consolidar fronteiras, mapear, ocupar e integrar uma área então desconhecida do território nacional e fazer contato com os indígenas que habitavam o espaço percorrido no trajeto da Comissão.

Em 1892 foi designado para a Comissão de Construção da linha telegráfica que ligaria Mato Grosso e Goiás. Até 1898, ajudou a construir as linhas telegráficas de Mato Grosso a Goiás e também entre
Cuiabá e o Araguaia, e ainda uma estrada de Cuiabá a Goiás. Seu trabalho de melhorar as comunicações construindo linhas telegráficas não parou: entre 1900 e 1906 dirigiu a construção da linha telegráfica entre Cuiabá e Corumbá, chegando até as fronteiras do Paraguai e da Bolívia. Em 1907, no posto de major do Corpo de Engenheiros Militares, foi nomeado chefe da comissão que deveria construir a linha telegráfica de Cuiabá a Santo Antonio do Madeira, a primeira a alcançar a região amazônica, e que foi denominada “Comissão Rondon” [SECOM MT, 2008]

A missão de construir uma rede de telégrafo com fio conectando as regiões centro oeste e norte ao resto do país também tinha entre os objetivos consolidar fronteiras, mapear, ocupar e integrar uma área então desconhecida do território nacional. As metas da Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas (Comissão Rondon) estão definidas na mensagem do Presidente Affonso Penna ao Congresso Nacional em 1907, reproduzidas na escrita original:

No intuito de unir todos os Estados da  Republica pelo telegrapho nacional e, ao mesmo tempo, dotar o territorio do Acre, já de si tão segregado do convício da civilisação, de meios mais fáceis de communicação com o resto do paiz e com o estrangeiro, decidi-me a mandar construir, mediante o concurso de forças federaes, a linha telegraphica que, partindo de Cuyabá, se dirija a Santo Antonio do Madeira, ponto inicial da E. F. Madeira ao Mamoré, e dahi se bifurque, por um ramo, em demanda das sedes das prefeituras do Alto Acre, Alto Purús e AltoJuruá, e , por outro, de Manáos. A commissão incumbida de construil-a deverá estudar ramaes para pontos convenientes da fronteira e, bem assim, proceder ao reconhecimento geral da zona sob o ponto de vista estratégico, geographico e economico, promovendo ao longo da linha a formação de colonias de indios nas proximidades das estações. Todos esses trabalhos devem estar terminados em pouco mais de três annos, já tendo sido providenciado a respeito do pessoal e material necessarios á execução do serviço. Para este fim, abri um credito da importancia de 800:000$, nos termos da autorisação concedida. Varios pedidos de concessão para o estabelecimento de estações radiográficas têm sido dirigidos ao Governo, mas abstive-me de os deferir, por pender o assumptp de deliberação vossa.[AFFONSO PENNA, 1907, p. 42]

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Cândido Mariano da Silva Rondon foi o único homem que “emprestou” o seu nome aos mapas do Brasil e ao atual estado de Rondônia (RO). Em 17 de fevereiro de 1956, o Território Federal do Guaporé teve seu nome alterado para Território Federal de Rondônia, elevado a estado em 1981. Em 1957, um ano antes de sua morte, Rondon foi indicado para o prêmio Nobel da Paz pelo The Explorers Club, organização internacional com sede em Nova York dedicada ao avanço da exploração e da pesquisa científica, da qual tinha recebido em 1919 a Medalha dos Exploradores.

 

A Comissão Rondon construiu 2.270km de linhas telegráficas e 28 estações telegráficas, realizou o levantamento de 50 mil quilômetros lineares de terras e de águas, determinou mais de 200 coordenadas geográficas, inscreveu na cartografia brasileira 12 rios até então desconhecidos e corrigiu informações sobre o curso de outros tantos. A implantação das linhas telegráficas resultou em estudos científicos no campo da etnologia indígena, geografia, fauna e flora do extenso território percorrido.

 

A análise histórica das telecomunicações, vale assinalar uma particularidade: as duas biografias do Marechal Cândido Mariano Rondon (1865-1958), considerado o “patrono” das telecomunicações no Brasil, foram escritas por estrangeiros – dois intelectuais dos Estados Unidos motivados principalmente pela experiência de Rondon à frente da expedição ao rio da Dúvida guiando o presidente dos EUA Theodore Roosevelt em 1914.  A primeira, de Todd A. Diacon, à época chefe do Departamento de História da Universidade do Tennesse, foi publicada em 2004 nos Estados Unidos pela Duke University Press, traduzida para o português em 2006. Parte considerável da sua investigação para o livro foi realizada em acervos no Rio de Janeiro e em Brasília. Nos agradecimentos do volume ele diz que “Não há lugar melhor para fazer uma pesquisa no Brasil do que no Museu do Índio do Rio de Janeiro. O prédio e o jardim são adoráveis, mas são as pessoas que fazem dali um lugar especial” (DIACON, 2004). É igualmente interessante acompanhar como as suas descrições da localização dos acervos na cidade são incorporadas no texto do livro, que começa assim:

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Marechal Cândido Rondon (1865-1958), em pé, com sua equipe a bordo da lancha Juruena Capa livro Stringing together a nation - Todd Diacon

Quase cego e enfraquecido pelos seus 91 anos de vida, Cândido Mariano da Silva Rondon dedicou grande parte da sua energia restante a ditar cartas aos líderes nacionais e internacionais. Do seu apartamento com vista para a famosa Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, Rondon enviou cartas de todos os tipos a políticos brasileiros e diplomatas estrangeiros em 1956. (…) Mas o idoso e cada vez mais enfermo Cândido Mariano da Silva Rondon se envolveu, ao mesmo tempo, em uma correspondência de outro tipo. Em julho de 1956, ele recebeu uma carta de Antonio Ferreira Silva, com carimbo postal da distante cidade de Aquidauana, no extremo oeste do estado de Mato Grosso. Silva, de acordo com sua própria nota, havia servido em 1909 como o primeiro operador de telégrafo na estação de Utiariti, no noroeste do Mato Grosso. Incrivelmente, quase cinquenta anos depois, Silva ainda trabalhava para o Serviço Telegráfico Brasileiro. Ele escreveu a Rondon para pedir apoio ao seu pedido de transferência para a cidade de Belo Horizonte, para que pudesse encerrar sua carreira e passar seus últimos dias perto de sua família. Utiariti. O nome provavelmente saiu dos lábios de Rondon com um suspiro melancólico. Sentado em seu escritório, com as janelas abertas, Rondon sem dúvida ouvia os ritmos familiares das ondas batendo na praia de Copacabana. Mas naquele momento seus pensamentos estavam em outro lugar e, em vez das ondas, Rondon poderia facilmente ter evocado um conjunto de sons muito diferente: pássaros grasnando, macacos guinchando...

[Todd Diacon, 2004]

​​A segunda contribuição para a história das telecomunicações brasileiras a partir da figura de Rondon é do jornalista Larry Rohter, correspondente no Brasil da revista Newsweek na década de 1970 e do jornal The New York Times (1998-2008), autor de “Rondon, uma biografia” (2019).  No tempo em que viveu no Brasil, Rohter visitou Rondônia pela primeira vez em 1978 e ali começou a sua convivência com os trajetos e os legados de Rondon. Ele descreve assim o término, entre dezembro de 1924 e janeiro de 1915, da construção das obras da linha de telégrafo pela Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas:

O tronco principal percorria 1.497 quilômetros, sendo que a metade final atravessava um trecho de selva antes considerado impenetrável. E mais três ramais exigiram outros 769 quilômetros de obras. Tudo somado, Rondon e seus homens haviam construído mais de 2.200 quilômetros de linha telegráfica em menos de oito anos. Além disso, a Comissão construíra 32 estações telegráficas cada uma a não mais que oitenta quilômetros da seguinte, desse modo, segundo um pronunciamento oficial do Exército, “providenciando para a normalização do tráfego pela estrada de rodagem que acompanha aquela”. Essa foi a base para a atual rodovia BR-364 e as estações telegráficas se transformaram em cidades e vilas como Vilhena, Pimenta Bueno, Cacoal, Ji-Paraná e Ariquemes

[Larry Rother, 2019]

Expedições do Marechal Rondon (Porto Amarante - RO)

O próprio Rondon, descreve Rohter, vivenciou e incorporou “os inúmeros avanços na tecnologia das comunicações”, como em apresentação no Rio de Janeiro em 1915:

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Assinatura do Marechal Rondon

Agora, em vez de falar para o público usando apenas o auxílio visual dos mapas, podia projetar slides em uma lanterna mágica, exibindo fotos em preto e branco e coloridas a mão tiradas pelo major Reis [identificar]. E havia até alguns filmes de suas expedições feitos pela Comissão. A abordagem ‘multimídia’ pioneira enfatizou o valor educacional e recreativo das conferências de Rondon, fascinando o público e a imprensa (...). O ciclo de palestrar com filmes pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha ocorreu apenas no fim da Primeira Guerra Mundial, começando nos primeiros meses de 1919. Isso foi quase três anos e meio depois após Rondon realizar suas conferências acompanhado de filmes e fotografias

[Larry Rother, 2019]

Depois de 1915 e até 1919, o trabalho da Comissão seria avançar na direção Norte, em direção ao estado do Amazonas, onde a linha se dividiria até Manaus, “eixo econômico” da região Norte, e até Tabatinga, “posto militar avançado” na fronteira brasileira com a Colômbia e o Peru. O telégrafo com fios, porém, estava obsoleto, substituído pelo telégrafo sem fios – a radiotelegrafia. 

Na introdução do livro “A nação por um fio – Caminhos, práticas e imagens da Comissão Rondon” (1998), a historiadora Laura Antunes Maciel observa que A memória coletiva, assim como a ideia de nação, está em constante mutação. Ambas se constituem no espaço e no tempo em constante transformação, alterando-se a partir das experiências do presente, produzindo esquecimentos de fatos e figuras e revalorizações de períodos ou aspectos do passado. Assim:

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A forma como Rondon e o grupo de militares por ele comandado são lembrados ainda hoje foi construída pelos vencedores do movimento de 1930. Silenciando sobre os projetos políticos e os ideais dos chamados
“republicanos históricos”, grupo integrado por Rondon e outros militares ligados à Comissão Rondon e ao Serviço de Proteção ao Índio, circunscrevendo suas ações ao ato da proclamação da República e
posteriormente tratando-os como os precursores da “civilização” do Oeste e da demarcação das fronteiras nacionais, criaram um arsenal de símbolos que relegou Rondon a patrono da arma das comunicações no
Exército, definindo sua atuação pública em tono dessas questões.
[Laura Antunes Maciel, 1998, p. 22].

Um futuro descontinuado: história e espaço das telecomunicações no início do século XX

A história das telecomunicações e do desenvolvimento regional conduz à leitura da região centro-oeste como um espaço de difusão de condições não materializadas afetado precocemente pela não disposição de infraestrutura para as comunicações ainda na década de 1910, em expressiva extensão do território compreendido por parte do estado de Mato Grosso e parte do Amazonas. A materialização da política desenhada para a infraestrutura das comunicações a distância, que estava na essência da Comissão, foi descontinuada pela radiotelegrafia, a tecnologia sem fio de operação via ondas de rádio (descobertas por Hertz e comercializadas por Marconi), que tornou arcaica a comunicação via telégrafo com fio, porque usava postes e linhas para fazer avançar o sistema de comunicação no oeste do país e era de difícil execução. Aquele foi o momento de virada que impediu a concretização de projeto de desenvolvimento nacional-regional-local alinhado ao progresso humano e tecnológico no início do século XX, que previa instalar por meio da rede de telégrafos com fio o alicerce para as telecomunicações que conectava o interior em processo de desbravamento ao centro político-econômico instalado no leste desenvolvido, independente das distâncias e facilitando a emissão e a recepção de sinais de equipamentos de comunicação. 

 

Agora, pouco mais de um século depois, mesmo com o avanço, a qualidade e a difusão da tecnologia sem fio em todos os setores, é irônico vivenciar uma realidade em que os postes, que se mantiveram ao longo do tempo como essenciais na distribuição de energia, permaneçam integrados à paisagem em praticamente todo o território² também como condutores de soluções de comunicações, como telefonia, internet, serviços de dados. Cento e vinte anos depois do encerramento da comissão das linhas telegráficas, as empresas que operam no país ainda recorrem à instalação física dos postes para chegar aos domicílios e às locações administrativas privadas e públicas.  

 ² A expedição foi tema do livro “O Rio da Dúvida – A sombria viagem de Theodore Roosevelt e Rondon pela Amazônia”, escrito por Candice Millard, ex-editora da revista National Geographic, traduzido para o português e publicado no Brasil em 2007.

Referências
bibliográficas

​DIACON, Todd A. Stringing Together a Nation – Cândido Mariano da Silva Rondon and the construction of a modern Brazil, 1906-1930. Durham, NC: Duke University Press, 2004.

MACIEL, Laura A. A nação por um fio – Caminhos, práticas e imagens da  Comissão Rondon. São Paulo: EDUC, 1998.PENNA, Affonso Augusto Moreira.  Mensagem apresentada ao Congresso Nacional na aberturada Segunda Sessão da Sexta Legislatura. Rio de Janeiro, 1907. Biblioteca da Presidência da República.

MILLARD, Candice. O Rio da Dúvida - A sombria viagem de Theodore Roosevelt e Rondon pela Amazônia. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

PENNA, Affonso Augusto Moreira. Mensagem apresentada ao Congresso Nacional na abertura da Segunda Sessão da Sexta Legislatura. Rio de Janeiro, 1907. Biblioteca da Presidência da República

ROHTER, Larry. Rondon, uma biografia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.

SECOM MT. Homenagens marcam 50 anos da morte de Cândido Rondon. Governo do Estado de Mato Grosso, Secretaria de Comunicação, 21 de janeiro de 2008. Acesso clique aqui 

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