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Sobre o território

O pensamento geográfico-social de território

Para a caracterização da comunicação e das telecomunicações nas regiões, em especial o Nordeste, para onde convergiram a apuração de dados e a análise da segunda etapa da pesquisa, o material bibliográfico ampliou as leituras sobre o território, o principal elemento da geografia que fundamenta o estudo, ao lado de espaço e região. 

Em relação ao vínculo entre os dois campos, Craig Calhoun (2012) enfatiza que a comunicação é importante para o estudo das dimensões-chave das mudanças sociais. Faz com que o campo seja coerente e produtivo no compartilhamento de problemas teóricos e práticos ou de projetos: “estes não são simplesmente temas sobre os quais sabemos mais ou menos. Eles são esforços de compreensão ou ação para que nosso conhecimento não seja inútil, insuficiente ou enganoso” (Craig Calhoun, 2012). Assim, o conhecimento da base tecnológica da infraestrutura é determinante para apreender as formas de circulação socioespacial e comunicacional de dados digitais e de informações audiovisuais.

 

O território é referência da maior importância entre os elementos da geografia que fundamentam este artigo. Os conceitos de espaços territoriais de Milton Santos e Maria Laura Silveira (2003), por exemplo, estão articulados com três textos. A primeira articulação é com as ideias de Milton Santos (1994; 1999) de território usado porque, para o geógrafo, é preciso “insistir na relevância, hoje, do papel da ciência, da tecnologia e da informação”, uma vez que “o território são formas, mas o território usado são objetos e ações, sinônimo de espaço humano, habitado”, que pode “ser formado de lugares contíguos e lugares em rede”, mas “que são, todavia, os mesmos lugares que formam redes e que formam o espaço banal” (Milton Santos, 1994).

O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. 

[Milton Santos,1999]

A base conceitual de território para esta pesquisa também considera outras análises de Milton Santos, sobre a geografia das redes (2006) e sobre inovação e redes de difusão (2021), a organização de Santos e Becker (2007) de um volume que reuniu pesquisadores em torno do tema ordenamento territorial, com abordagens das “múltiplas dimensões da sociedade” e das “representações construídas sobre o espaço a partir dos símbolos de uma cultura”, e também uma revisita do próprio Milton Santos sobre a ideia de território usado em aproximações entre a geografia e a comunicação.

O território são formas, mas o território usado são objetos e ações, sinônimo de espaço humano, espaço habitado. Mesmo a análise da fluidez posta ao serviço da competitividade, que hoje rege as relações econômicas, passa por aí. De um lado, temos uma fluidez virtual, oferecida por objetos criados para facilitar essa fluidez e que são cada vez mais, objetos técnicos. Mas os objetos não nos dão senão uma fluidez virtual, porque a real vem das ações humanas, que são cada vez mais ações informadas, ações normatizadas. É a partir dessa realidade que encontramos no território, hoje novos recortes, além da velha categoria região; e isso é um resultado da nova construção do espaço e do novo funcionamento do território, através daquilo que estou chamando de horizontalidades e verticalidades. As horizontalidades serão os domínios da contiguidade, daqueles lugares vizinhos reunidos por uma continuidade territorial, enquanto as verticalidades seriam formadas por pontos distantes uns dos outros, ligados por todas as formas e processos sociais.

[Milton Santos, 2005] 

É o pensamento de Milton Santos e María Laura Silveira (2003) sobre o espaço territorial brasileiro que tem presença na pesquisa desde a definição do próprio Santos de território enquanto espaço formado por análises sobre a dimensão histórico-temporal associada à noção da totalidade em Geografia (1997). O sentido de território seria mais tarde aprofundado por Maria Laura Silveira (2011) e suas considerações sobre o território usado como “uma arena onde fatores de todas as ordens, independentemente da sua força e apesar de sua força desigual, contribuem à geração de situações” em que

 

​(...)cada período produz suas forças de aglomeração e dispersão, resultado da utilização combinada de condições técnicas e políticas, que não podem ser confundidas com as de momentos pretéritos e que redefinem os limites. Hoje, verifica-se a difusão do sistema técnico comandado pelas técnicas informacionais que cria uma concentração e uma dispersão combinadas. Dão-se, no território e na sociedade, bruscas mudanças de papéis, que são ao mesmo tempo mudanças de lugares. De tal modo, os chamados equilíbrios precedentes se rompem e mudam o conteúdo dos lugares e do território como um todo, indicando novos fatores de localização

[Maria Laura Silveira, 2011]

As densidades da informação e as densidades da comunicação são particularmente importantes porque, ao se manifestarem no espaço, indicam a relação de territorialidade dos moradores de um lugar. A segunda articulação do pensamento geográfico vem, assim, das territorialidades. A informação que chega às pessoas vêm de fora, do exterior ao território, enquanto a comunicação circula dentro do mesmo espaço compartilhado da cultura, das identidades e das relações sociais locais, “entre sujeitos e entre estes com seu lugar de vida”, observa Saquet (2008). Nas territorialidades, há continuidades e descontinuidades no tempo e no espaço porque “dão identidade e são influenciadas pelas condições históricas e geográficas de cada lugar” (Saquet; Sposito, 2009).

A terceira articulação vem do geógrafo André Pasti (2012; 2025) com o conceito de densidade informacional (2012), que qualifica as junções entre a comunicação (densidade comunicacional), os usos do território e o método geográfico. Ele indica que 

A densidade informacional nos indica o grau de exterioridade do lugar, já que a informação introduz uma intervenção vertical no espaço, que geralmente ignora seu entorno. Já a densidade comunicacional resulta do tempo plural do cotidiano partilhado, estando ligada às dinâmicas do lugar, tendo em vista que a comunicação pressupõe a troca. Com a importância política, econômica e geográfica dessas variáveis no período atual, torna-se imprescindível investigar os circuitos informacionais, as transformações espaciais para o abrigo desses circuitos e as densidades e rarefações nos territórios em função da informação e da comunicação. [André Pasti, 2012]

Mais à frente na linha do tempo dos seus escritos, Pasti (2025) abordou a questão das conexões e da densidade comunicacional como parte de políticas públicas para o território e chamou a atenção para “um cuidado necessário” nas abordagens de 2021 ,sobre “os espaços luminosos da globalização” feitas por Milton Santos e María Laura Silveira:

Ainda que os espaços luminosos, de maior densidade técnica e informacional, sejam espaços mais conectados às redes globais de informação, isso não os torna espaços onde há comunicação e troca efetiva (...). Talvez um caminho analítico fértil passe por compreender a diferenciação entre espaços silenciados – de baixa densidade comunicacional, sejam eles conectados às redes informacionais globais ou não – e espaços comunicativos, de alta densidade comunicacional, capazes de emitir e ressoar enunciações do lugar (...) A promoção da democratização da comunicação em um território exige a realização de políticas de comunicação, no âmbito do Estado, capazes de transformar as condições normativas, técnicas e de organização dos lugares para ampliar sua densidade comunicacional fomentando a produção e a circulação de informações ascendentes nos espaços silenciados [André Pasti, 2025]

As considerações de ordenamento territorial elaboradas por Falcón (2015) poderia ser incluída como uma possível quarta articulação do pensamento, ao considerar o conceito de rede de cidades e a metodologia desenvolvida pelo IBGE no estudo Região de Influência das Cidades (Regic) como “instrumentos capazes de revelar o caráter dinâmico das relações de poder inscritas no território”. A autora argumenta no estudo de 2015, que ainda faltavam produções com conexões entre a geografia e a sociologia, por exemplo, que abordassem questões urbano-regionais e contribuíssem para o desenvolvimento. 

A academia brasileira está devendo à nação, com honrosas exceções, a formulação de soluções para os problemas nacionais com base na cultura e na adaptação ao ambiente social em que vive. Uma dessas “dívidas acadêmicas” está no campo de conhecimento da economia regional e urbana, associada à geografia e à sociologia. Trata-se da carência de instrumentos de pesquisa que tragam como consequências novas maneiras de planejar o desenvolvimento adequado às exigências das novas territorialidades que surgem com a revolução informacional e a era do conhecimento, com suas redes de poder. Em suma, propor caminhos inovadores para as políticas públicas voltadas ao desenvolvimento regional.

[María Lúcia de Oliveira Falcón, 2015]

O fato é que, nesses contextos, os lugares pequenos seguem como pontos essenciais a serem considerados. Agregado a essa variável cabe também o fenômeno da ruralidade, que difere das conexões da hierarquia urbana. Autores da geografia e da economia reforçam que o fenômeno da ruralidade não é exclusivo das cidades pequenas, mas é nelas que o processo é mais intenso. Marques (2022), por exemplo, na definição de áreas urbanas e rurais, faz as seguintes leituras do rural:  

​​

(...) o espaço rural corresponde a aquilo que não é urbano, sendo definido a partir de carências e não de suas próprias características. Além disso, o rural, assim como o urbano, é definido pelo arbítrio dos poderes municipais, o que, muitas vezes, é influenciado por seus interesses fiscais. Veiga (2002) chama atenção para o fato de que este critério leva a classificar como área urbana sedes de municípios muito pequenas, algumas com população inferior a 2.000 habitantes, o que seria ainda pior no caso de algumas sedes distritais. Tal distorção nos levaria a denominar de cidade o que na realidade seriam aldeias, povoados e vilas, resultando numa superestimação de nosso grau de urbanização. O autor ainda qualifica como “anacrônica e aberrante” a fronteira inframunicipal entre o rural e o urbano estabelecida por esta classificação [Marques, 2022; Veiga, 2002].

Ainda sobre as cidades pequenas, a literatura brasileira aponta que até agora não existe um consenso para a definição desse espaço urbano, que pode considerar número de habitantes e outros tipos de estratificação. Em outra aproximação, Milton Santos identificou no final dos anos 1970 o fenômeno da cidade local, considerado à época como “geral e recente” nos países subdesenvolvidos, geralmente “ligado às transformações do modelo de consumo no mundo, sob o impacto da modernização tecnológica” (Santos, 1979). Ao mesmo tempo, é interessante recuperar uma outra vez as críticas do professor, naquele mesmo período, para o que designou como “a carência teórica e o vezo do pequeno lugar” como hábitos de pesquisa que percebia entre geógrafos brasileiros. 

Na comunicação, por outro lado, pesquisas sobre esses “pequenos lugares” têm observado situações peculiares como de produção de conteúdo e formas de acesso à internet. Os provedores regionais/locais, conhecidos pela sigla para provedores de pequeno porte – PPPs, são exemplos. Eles começaram a prosperar há pouco mais de uma década em setor altamente concentrado das telecomunicações no Brasil, levando a comunicação via internet banda larga fixa para áreas do Brasil antes não atendidas por estarem em zonas rurais ou pelo nível reduzido de atividade (e renda) econômica. No final de 2023, os provedores de pequeno porte¹ regionais eram “maiores que as grandes operadoras. Juntas, as prestadoras de pequeno porte somaram 25,5 milhões de clientes, o que representa uma fatia de 53,2%” [Miriam Aquino, 2024]

¹A Agência Nacional de Telecomunicações (2019) define provedores de pequeno porte aquelas empresas com participação nacional inferior a 5% em cada mercado de varejo onde atua, com exceção dos grandes grupos de telecomunicações. No Brasil, são geralmente grupos estrangeiros como TIM, Claro e Vivo/Telefônica, que entraram no país com a privatização do setor na década de 1990 para operar no mercado de telefonia.

Referências
bibliográficas

AQUINO, Miriam. Operadores regionais dominam o mercado de banda larga em mais de cinco mil cidades brasileiras. Tele.Síntese, 17 de abril de 2024.

CALHOUN, Craig. Comunicação como ciência social (e mais). INTERCOM – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, v.35, n.1, p. 277-310, jan./jun. 2012. (PDF)

​FALCÓN, Maria Lúcia de Oliveira. A rede de cidades e o ordenamento territorial. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 2015

MARQUES, Marta Inez Medeiros. O conceito de espaço rural em questão. Terra Livre, Ano 18, nº 19, julho-dezembro 2002.

PASTI, André. Entre as redes globais e as vozes locais: diferenciações do território e caminhos da ação social. Ciência Geográfica, Ano XXIX, vol. XXIX (1) janeiro/dezembro 2025, p. 726-736. DOI 

PASTI, André. A comunicação, os usos do território e o método geográfico: em busca de uma leitura crítica. 35º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom, Fortaleza/CE, 2012.

SANTOS, M.; SILVEIRA, María L.  O Brasil: território e sociedade no início do século XXI (5ª ed.). Rio de Janeiro, Record, 2003.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção (4ª ed.). São Paulo: 2006.

SANTOS, Milton. O retorno do território. OSAL: Observatório Social de América Latina, Ano 6 nº. 16 (jun. 2005). Buenos Aires: CLACSO, 2005

SAQUET, Marcos Aurélio; SPOSITO, Eliseu Savério (Org.) Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2009. (PDF)


SILVEIRA, María Laura. O Brasil: Território e sociedade no início do século 21 – a história de um livro. ACTA Geográfica, Ed. Esp. Cidades na Amazônia Brasileira, 2011, p. 151-163.  


VEIGA, José Eli. Cidades imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se imagina. Campinas: Editores Associados, 2002.​​

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